Considerar o Porto Vintage como o Rei dos Vinhos do Porto é uma forma de reverenciar mamãe Natureza e lhe agradecer pela dádiva. Ela, ao oferecer uma conjunção ideal de clima com solos únicos e apropriados - isso, em geral, não ocorre mais do que três vezes por década - é a grande responsável por se alcançar um vinho tão aristocrático e vigoroso, que reinará soberano por dezenas de anos - a maioria duas décadas, os grandes muito mais. É preciso, no entanto, paciência para que ele vá perdendo lenta e gradualmente o excesso de impetuosidade que o caracteriza no início, dando lugar à elegância. Sua nobreza, então, transcende, podendo dessa forma ser apreciado como merece.
Fonseca Vintage 94 com Stilton e Duque de Bragança Tawny 20 anos com queijo da Serra da Estrela: nunca é tempo perdido
Em resumo, os Vintages se originam de uma safra única (e excepcional), e são engarrafados cedo, entre o segundo e terceiro ano após a colheita; tendo pouco contato com madeira, vão se desenvolvendo aos poucos dentro da garrafa. Atendendo a sua natureza e tradição, os produtores não utilizam procedimentos de clarificação, filtração e estabilização a frio, razão pela qual os Vintages tendem a apresentar depósito, o que implica na necessidade de decantá-los.
Uma vez decantado é inútil colocá-lo de volta na garrafa com a expectativa de guardá-lo. O vintage, como todo rei tem seus caprichos: não deve ser bebido jovem (os americanos têm esse hábito, ao contrário dos ingleses, que realmente entendem do assunto) e, por não ter passado por um processo oxidativo (como os Tawnies), se oxida e perde suas virtudes.
Reis ou não, os Tawnies, brilham em outro campo. Eles contam com maior participação do homem, sendo fruto de uma arte ancestral que se distingue pela sabedoria e talento em mesclar Portos de vários anos. Até o momento de serem utilizados permanecem em cascos de madeira - em geral ao redor de 600 litros -, que permite ao vinho respirar através de seus poros. Sofrem assim um processo oxidativo que lhes tira a cor e os deixa com tons aloirados, termo, aliás, que é a tradução da palavra inglesa tawny. O contato com a madeira, a rigor, acelera sua evolução e amadurecimento, o que se traduz em textura macia e paladar sedutor, com aromas instigantes como nozes, avelãs e frutas secas.
Tawny é uma família de Vinhos do Porto que têm em comum o fato de serem envelhecidos em madeira. O período em que isso se dá é que distingue os que se enquadram nessa classificação. Todos, porém, seguem o mesmo ritual de serviço: podem ser consumidos de imediato; o fato de já terem vivido em ambiente oxidativo faz com que não precisem ser decantados, da mesma forma que uma garrafa pode ser desfrutada aos poucos, por um bom tempo, depois de ter sido aberta; e devem ser armazenados na vertical. Não por acaso, a vedação é de cortiça com um chapéu de plástico, que permite tirar e tampar de volta. A família dos tawnies é composta de:
Tawny (básico): o mais comum dos tawnies, é composto de Portos que raramente têm mais de três anos, daí não terem cor tão esmaecida. São muito utilizados como aperitivo pelos franceses, quando acompanham terrines de foie gras, queijos azuis tipo roquefort, e frutas secas. É a porta de entrada da categoria e seu maior atrativo é o preço. No padrão acima, com 5 a 6 anos de envelhecimento, ganham maciez e a denominação Reserva. Servi-los perto dos 16 graus centígrados.
Tawny com indicação de idade: é uma composição de tawnies mais velhos. A idade média dos vinhos que foram utilizados na mescla, 10, 20, 30 e mais de 40 anos é indicada no rótulo. A data em que foram engarrafados tem de estar também especificada e é uma garantia, já que eles guardam melhor o frescor quando bebidos pouco depois. Cada Casa tem um estilo próprio que o enólogo procura sempre preservar, seja na procedência de cada lote como também na maneira de se chegar ao "blend" - mesclar vinhos novos, que tem mais fruta e frescor, com mais velhos, que são mais macios e ricos, dando, na média, a idade desejada; ou partir de um lote com aquela idade e fazer alguns acertos e correções em torno dele.
Vale como exemplo do primeiro o Duque de Bragança, especialidade da Ferreira (importado pela Aurora) e um dos melhores (e meu preferido) "20 anos" do mercado. O segundo gênero pode ser comprovado no Sandeman (Pernod Ricard), que resulta num Tawny mais leve e fácil. Buscar um estilo mais austero e tradicional, mais ao gosto dos ingleses, é o caso da Offley (Zahil). O curioso é que as três casas pertencem ao grupo Sogrape, mas, como se vê, têm vida autônoma.
Guardadas as devidas diferenças de estilos e idades identificadas no rótulo, esta categoria de Portos é bem eclética à mesa, podendo ir do começo ao fim da refeição. Digamos iniciar com um escalope de foie gras, seguido de um Pato com laranja, e arrematando com sobremesa à base de chocolate. Depois, enquanto os charuteiros encontram nele boa companhia, o resto dos convivas pode jogar conversa fora tendo ao lado do copo uma porção bem variada de frutas secas. Servir entre 14 e 15 graus.
Colheita: tanto quanto os tawnies, os colheitas envelhecem em casco. A diferença é que estes são provenientes de uma única colheita, indicada no rótulo, e vão sendo engarrafados à medida que a Casa tem interesse em colocá-lo no mercado - no mínimo devem ficar sete anos. Significa dizer que há colheitas com datas distintas de engarrafamento, o que implica em vinhos com características diferentes. O rótulo indica o ano em que as uvas foram colhidas e que ele foi mantido na madeira até o engarrafamento, data que deve ser obrigatoriamente mencionada.
Ainda que sejam Portos de alto padrão, os colheitas não têm o mesmo rigor na seleção das uvas que os Vintages - o fato de terem que envelhecer em madeira faz, igualmente, com que o critério de escolha seja diferente -, razão pela qual são, em geral, produzidos todos os anos. Isso faz com que se tornem boa opção para presentear aniversariantes, e sejam apropriadamente chamados de "Porto de Aniversário". Casas como Niepoort (Mistral), Wiese & Krohn (World Wine-La Pastina), Burmester (Adega Aletejana) e Ferreira (Aurora) são especializadas no gênero. Na compatibilização com comida se assemelham aos tawnies com indicação de idade.
Vintages e LBVs de um lado, Tawnys especiais do outro, a questão é de momento e, evidentemente, de preferências. É o caso da harmonização com queijos. Se é inquestionavelmente perfeita a combinação de Vintage com Stilton, o fantástico queijo tipo azul inglês, eu pelo menos assim não considero a propalada afinidade entre o "Rei" dos Portos e a grande especialidade de Portugal, o queijo da Serra da Estrela. Entendo que esse soberbo queijo português tem o dom de reunir caráter e delicadeza, que, associado à sua textura pastosa, é impiedosamente ofuscado por um Vintage, sobretudo quando novo, o que é comum de acontecer. Mais apropriado, acredito, é um "20 anos". Em todo caso, como bem lembrou o leitor Álvaro Pessoa em seu simpático e-mail, "any time not spent drinking Port, is a waste of time (qualquer que seja o tempo gasto que não seja bebendo Porto, é perda de tempo)". Eu me contento com qualquer um. (Jorge Lucki/Valor Econômico)
Importadores dos queijos
Stilton: Calimp (11) 4152 4588;
Queijo da Serra da Estrela: All Food 6692 4022; e Casa dos Queijos (11) 2121 3777
colaborador-jorge.lucki@valor.com.br
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
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