segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Tempo de brindar à luxúria e ao álcool no trabalho

Lucy Kellaway

Na semana passada, fiz o que sempre faço quando me sinto esgotada. Pego a caixa da série de TV "Mad Men" e mergulho no mundo hedonista e glamuroso da Madison Avenue nos anos de 1960- quando todas as mulheres usavam sutiã tamanho 38, todos os homens bebiam uísque da hora do almoço até a hora de ir dormir, todo mundo fumava um cigarro atrás do outro e fazia sexo sempre que surgia uma oportunidade.

A série é deliciosa por causa de seu contraste com a monotonia e conservadorismo da vida moderna no local de trabalho. Nos últimos dez dias, duas coisas aconteceram que me fizeram pensar nos laços que agora estão muito apertados; tão apertados, na verdade, que estão impedindo a circulação de oxigênio no cérebro das pessoas.

A primeira foi o escândalo sexual que resultou na renúncia de Mark Hurd do cargo de executivo-chefe da Hewlett-Packard (HP). Como acontece com os escândalos sexuais, esse não teve nada de sexy. Na verdade, segundo notícias publicadas pelos jornais, nem houve sexo nele. Não houve assédio, nem promiscuidade, e mesmo assim o "relacionamento pessoal próximo" entre Hurd e uma consultora burlou as regras da companhia e desse modo foi preciso agir.

"Tolerância zero", dizia uma manchete publicada pelo "Financial Times" há uma semana. Mas tolerância zero com o quê? Li reportagens e press releases e a única coisa incriminatória que encontrei foi que Hurd e a mulher jantaram algumas vezes e a conta foi paga pela empresa. Isso foi considerado grave o suficiente para Hurd partir para a autopenitência afirmando: "Não correspondi aos padrões e princípios de confiança, respeito e integridade que recebi da HP".

Mas que padrões eram esses? E como ele não correspondeu com eles? A comissão de recursos humanos foi parabenizada por ter agido decisivamente na saída do anteriormente heróico executivo-chefe. Pode ter sido decisivo, mas foi uma decisão capenga. Ele decidiu que seria melhor perder um bom executivo-chefe do que admitir que ele era um ser humano com algumas falhas. O preço foi alto: da noite para o dia os acionistas perderam US$ 10 bilhões no valor de suas ações, enquanto Hurd deixou a companhia com um acerto de contas bem gordo.

O detalhe mais surpreendente nisso tudo é que as refeições parecem ter custado US$ 20.000. A única explicação que me vem à cabeça para uma conta tão alta é que talvez Hurd e a mulher tenham se consolado por serem incapazes de cometer adultério, cometendo no lugar o pecado da gula.

Enquanto nos escândalos sexuais modernos, ao estilo HP, existe muito escândalo e pouco sexo, em "Mad Men" as coisas são o contrário: muito sexo, pouco escândalo. Isso parece ser mais saudável, especialmente no que diz respeito aos acionistas.

Na agência fictícia Sterling Cooper, de "Mad Men", a fornicação é deslavada, as pessoas se machucam e bebês são concebidos fora do casamento. Há um custo humano, mas a agência em si escapa incólume e os negócios de criação e venda de anúncios prosseguem sem ser afetados. Há uma simplicidade e inocência deliciosos em tudo isso. Os funcionários trabalham, comportam-se mal e então trabalham mais um pouco. Eles também fazem algo a mais na Sterling Cooper que, 40 anos depois, ninguém mais faz nos Estados Unidos: bebem.

A segunda coisa que aconteceu na semana passada mostra como o fanatismo contra a bebida se tornou extremo. Na Academia de Administração de Montreal, um estudo foi apresentado provando que simplesmente segurar uma taça de vinho pode prejudicar sua carreira. Na mais lúgubre experiência já realizada, 610 administradores de empresas foram solicitados a observar candidatos que estavam sendo entrevistados em um jantar. O entrevistador pedia vinho; alguns candidatos faziam o mesmo, enquanto outros escolhiam refrigerantes. Muito embora vários candidatos nem sequer tenham tocado na taça, aqueles que estavam com vinho diante de si foram considerados menos inteligentes do que aqueles que estavam diante de um copo de Fanta.

Assistir Don Draper, em "Mad Men", beber coisas muito mais fortes que vinho não me leva a duvidar de sua inteligência; me faz sentir saudades daqueles dias de bebedeiras. Essa nostalgia só é um pouco abalada pelas lembranças que tenho de como a vida era na década de 1980 na Fleet Street, quando os jornalistas corriam para os pubs todos os dias na hora do almoço. A menos que minha memória esteja me pregando uma peça, os homens na época não se pareciam com Don Draper. Eles tinham barrigas enormes e às vezes ficavam com a voz pastosa no período da tarde.

No mundo de "Mad Men", o julgamento era deturpado pela luxúria e pelo álcool. Mas no mundo moderno e puritano dos negócios, o julgamento é deturpado por algo mais pernicioso: o medo da luxúria e o medo do álcool. Os dois mundos são ruins, mas o primeiro tem vantagem sobre o segundo: pelo menos de vez em quando ele era divertido.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
(Publicado no Valor Econômico- 23/08/2010)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Consumo de vinho melhora raciocínio

Em teste, bebedores moderados apresentam desempenho cognitivo superior ao dos que bebem pouco ou nada
Pesquisa acompanhou 5 mil pessoas por sete anos; doses discretas também podem reduzir chances de demência

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Beber moderadamente faz bem pra cabeça. Ainda mais se for vinho, diz estudo feito ao longo de sete anos com 5.033 homens e mulheres em Tromso, norte da Noruega.
Quem bebia de forma moderada - quatro ou mais vezes em duas semanas- foi melhor em testes medindo funções cognitivas do que os totalmente abstêmios ou que bebiam pouco -uma vez ou menos no mesmo período.
A média de idade dessas pessoas era de 58 anos. O estudo foi publicado na revista médica "Acta Neurologica Scandinavica" por Kjell Arne Arntzen, da Universidade de Tromso, e mais três colegas.
Os autores admitem que a conclusão pode ter tido influência de fatores não testados, como dieta e profissão.
Em compensação, o estudo controlou idade, educação, peso e doenças.
Em mulheres, o fato de não beber esteve associado a desempenho cognitivo "significativamente" mais baixo.
"O maior risco de função cognitiva pobre esteve em abstêmios. Entre homens, resultados sugerem menos disfunção cognitiva em consumidores de vinho e cerveja", escreveram Arntzen e cia.
Os autores anotavam só a frequência do consumo, não a quantidade, por isso afirmam que as diferenças entre homens e mulheres podem estar ligadas a diferentes níveis de consumo.
Para R. Curtis Ellison, do Centro Médico da Universidade de Boston, esses resultados confirmam outros: "A associação entre consumo moderado de álcool e função cognitiva foi investigada em 68 estudos".
Além do melhor desempenho cognitivo, o álcool em doses discretas ajudou a reduzir o risco de demência, tanto a vascular quanto a doença de Alzheimer.
Não há consenso sobre o que pode causar o efeito benéfico do consumo de álcool. Pode ser a presença de antioxidantes como os polifenóis; ou o próprio álcool etílico fortaleceria as artérias e reduziria inflamações, o que melhoraria o fluxo de sangue.
Os testes cognitivos envolviam memória verbal de curto prazo, escala de inteligência Wechsler e teste psicomotor. Como esperado, os índices foram menores para mais velhos, menos educados, fumantes, deprimidos, diabéticos e hipertensos.
"Um maior nível de evidência seria uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados", comenta o médico Rubens Baptista Júnior, professor de metodologia científica e coordenador de pós-graduação em Gestão de Saúde do Senac-SP.
"Não estou questionando o estudo, mas ele é um elemento que tem que se juntar a muitos outros para tirar essa conclusão, um cuidado que todo cientista deve ter. Há muitos fatores que precisam ser isolados", afirma Baptista. "Não é por que existem correlações que elas são causais", diz o médico, também professor na Escola de Educação Permanente do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP.
Os próprios autores revelaram preocupações com a metodologia. "Um efeito positivo do vinho pode ser devido a fatores de confusão como status socioeconômico e hábitos alimentares e de outros estilos de vida mais favoráveis", escreveram.
É provável que bebedores de vinho tenham uma dieta mais saudável do que tomadores de cerveja e destilados.
O consumo médio, no estudo, foi de um copo em 14 dias para mulheres e três copos para os homens. (Fonte: Folha de S.Paulo)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Brasil toma mais cerveja, inclusive as especiais

Consumo da bebida cresce 23%, segundo o IBGE, e público seleto chega a pagar R$ 230 por importada

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cerveja é um dos produtos cujo consumo mais cresce no País. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada no ano passado, revela que alimentos como arroz e feijão perderam espaço na mesa do brasileiro, mas que a ingestão de cerveja cresceu 23%. A comparação é com a POF anterior, realizada em 2003.

A estimativa do sindicato da indústria cervejeira (Sindicerv) é que o consumo da bebida no Brasil seja de 64 litros per capita por ano, ainda bem distante dos 84 litros consumidos pelos norte-americados e dos 150 litros bebidos pelos alemães. ''Conforme a renda vai melhorando, a população brasileira passa a gastar mais com produtos que estão fora da cesta básica'' justifica Gustavo Segantini, gerente de Marketing da Ambev no Paraná. Maior fabricante no Brasil, a empresa diz que suas vendas cresceram 6,7% somente em 2010.

Dona das marcas Skol, Brahma e Antartica, a fábrica vendeu 3 bilhões de litros de cerveja somente no primeiro trimestre deste ano. Já a comercialização de suas bebidas não alcoólicas foi de apenas um terço deste volume: 1 bilhão de litros.

O crescimento do mercado das cervejas industriais também vem abrindo espaço para as especiais. Segundo o Sindicerv, as cervejas especiais representavam apenas 2% do mercado em 2004. E no ano passado haviam abocanhado 5% das vendas totais. ''O aumento da renda dos brasileiros e a situação cambial (dólar baixo), que torna os produtos importados mais baratos, são os principais fatores que levaram ao crescimento dessas bebidas'', afirma Rodolfo Alves, sócio-fundador da Mr.Beer, que tem 19 lojas atualmente no País - duas delas em Londrina.

Mas o desafio para quem atua neste segmento é maior. Além de mais caras - podendo chegar a R$ 230 a garrafa -, as cervejas especiais precisam romper algumas barreiras comportamentais no País. Cerveja com chocolate, por exemplo, é uma combinação que nem passa pela cabeça da maioria dos consumidores brasileiros. Mas boa parte das especiais disponíveis no mercado são indicadas para acompanhar um leque variado de comidas, que vai muito além do petisco de bar e do churrasco.

Alves admite que as cervejas especiais ainda estão restritas a um tipo muito peculiar de consumidores. ''Normalmente são gourmets, pessoas que estão acostumadas à gastronomia sofisticada, que compram azeites caros e pistaches iranianos'', exemplifica.

Para ele, não é o preço o principal fator que mantém o grande público distante das cervejas especiais. ''É uma questão mais cultural. O brasileiro está acostumado a tomar uma bebida mais leve e em grande quantidade'', afirma.

Bebida artesanal ganha espaço
Curitiba - Não é apenas a indústria que comemora o aumento do consumo. O mercado de cervejas especiais também encontra por aqui cada vez mais apreciadores. Em Curitiba, o consumidor pode até montar sua própria ''fábrica''.

Há pouco mais de um ano, o empresário Douglas Salvador criou o Clube do Malte, espaço que vende mais de 150 rótulos de cervejas especiais e equipamentos e insumos para quem deseja entrar no mundo do homebrewing - passatempo de fazer em casa a sua própria bebida (a chamada cerveja de panela). A proposta do clube foi tão bem aceita, que o proprietário está expandindo a marca em franquias para outras cidades e começará a vender os produtos pela internet. ''É um mercado que está crescendo em velocidade grande'', comemora.

Salvador conta que o projeto desse clube tem três anos e a ideia foi criar um ''varejo didático'' em que o consumidor é educado, estabelecendo assim uma ''cultura cervejeira'' - costume muito forte em países como Alemanha, Bélgica e Tchecoslovaquia. ''Aqui é cerveja especial. Lá é cerveja do dia a dia'', comenta o empresário.

Mas o que coloca a cerveja na categoria especial? Douglas Salvador explica que enquanto a maioria das cervejas industriais vendidas em grande volume é feita a partir de cereal e recebe conservantes químicos, a bebida especial conserva a pureza dos ingredientes e pode ser feita usando ampla variedade de lúpulo, malte e fermento. ''Ela tem muito mais sabor e aroma'', constata. Os sabores podem variar entre herbais, florais, frutados e torrados.

Outra coisa diferencia as bebidas industriais das especiais: o preço. Não é todo mundo que vai conseguir animar um churrasco em família regado com as bebidas selecionadas. A maioria das garrafas têm preço entre R$ 5,00 e R$ 30,00. Mas tem cerveja custando entre R$ 70,00 e R$ 80,00. Ingressar no homebrewing também exige um investimento inicial. Um curso básico custa em média R$ 300,00 e os equipamentos necessários somam R$ 1 mil.

Salvador diz que o seu restaurante/bar é frequentado por jovens, adultos e idosos. ''São pessoas de bom poder de consumo, abertas a experimentar coisas diferenciadas'', afirma.

O empresário lembra que a proposta do Clube do Malte também é valorizar a produção local. Tanto que comercializa bebidas produzidos por cervejeiros caseiros da região de Curitiba e até de outros Estados. Também serve chope produzido em Campo Largo e Pinhais, cidades da Região Metropolitana de Curitiba. Ele observa que o desenvolvimento das cervejas artesanais no Brasil está reproduzindo o cenário norte-americano, ''onde cada região acaba tendo seu próprio mundo cervejeiro''.

Serviço: Clube do Malte fica na Rua Desembargador Motta, 2.200, em Curitiba. Outras informações podem ser obtidas pelo (41) 3014-9313.

Variedades frisante e defumada
O mundo da cerveja é tão rico quanto o do vinho. A garantia é do empresário Rodolfo Alves, proprietário da Mr. Beer. Prova disso, segundo ele, é a cerveja frisante Kriek Boom, produzida na Bélgica. Fabricada sem levedura, ela é fermentada a partir de microorganismos presentes no ambiente. ''Chamamos de cerveja viva, porque ela fermenta desde o início do processo de produção até quando é colocada na taça'', explica. Isso mesmo, a Kriek Boom não é servida em copo. Por causa desse processo de fermentação, ela é tampada com rolha. ''Uma tampa comum não suportaria'', justifica o especialista.

Entre os ingredientes desta bebida belga, está a cereja. Por isso, em quase tudo, menos no gosto, ela é parecida com uma champagne rose. Nas degustações das quais participa, Alves costuma servi-la com bolo de chocolate. Uma garrafa de 600 ml custa cerca de R$ 40.

Entre as cervejas especiais, existe também as defumadas, a exemplo da Rauchbier, fabricada na Alemanha. Na verdade, a cevada seca é que passa por um processo de defumação. ''É comum a pessoa abrir a Rauchbier e dizer que tem cheiro de bacon'', conta. Mas o empresário garante que é só o cheiro. ''Esta cerveja acompanha bem um bom charuto ou uma feijoada'', indica. O preço gira em torno de R$ 35 (600 ml).

Outra cerveja muito peculiar é a Deus, fabricada na Bélgica, mas envazada na região de Champagne, na França. É uma das mais caras do mundo, cerca de R$ 230 a garrafa. O preço, segundo Alves, se justifica por seu demorado processo de fabricação. ''Ela passa pelos mesmos processos da champagne. Depois de envazada, leva cerca de um ano para estar própria ao consumo. Todos os dias, durante esse período, sua garrafa tem de ser virada como um bom vinho.''

De acordo com o dono da Mr. Beer, o Brasil ainda está dando os primeiros passos na produção de cervejas especiais. A nacional mais antiga é a Colorado, fabricada em Ribeirão Preto (SP), que foi lançada há menos de uma década. Outra bem apreciada pelos amantes da bebida é a Bamberg, feita em Sorocaba. ''Ambas são muito boas'', garante. (Fonte: Folha de Londrina - PR)