quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Bourbon, a bebida do Velho Oeste, quer turistas

Lá pelos anos 1770, imigrantes descendentes de escoceses e irlandeses seguiram o caçador e aventureiro Daniel Boone para ocupar as terras férteis próximas ao rio Ohio, no extremo oeste das então 13 colônias britânicas da América do Norte, onde hoje está o Estado de Kentucky. Época dura, de um país ainda nascente. Nova York, por exemplo, era menor do que Ouro Preto - chamada de Vila Rica, a cidade mineira tinha quase 100 mil habitantes, enquanto Nova York só chegaria aos 80 mil no começo do século XIX.

Bill Samuels Jr, principal executivo da Maker's Mark, garante que o destilado a base de milho e envelhecido em barris de carvalho é "a única bebida nativa dos EUA"

Os rigores do assentamento e do clima, porém, eram amainados pelo uísque fabricado no fundo de quintal, uma tradição trazida da Europa. Como o milho havia se tornado a base da produção agrícola, nada mais lógico do que usá-lo como base também para as novas receitas da bebida. Surgia então um destilado característico, que se adaptou tão bem àquele ambiente rústico: o bourbon.

O nome pegou mesmo só anos depois, para diferenciar o uísque feito naquele condado, batizado de Bourbon em homenagem à casa real francesa, aliada dos americanos na guerra de independência. Anos depois de o condado ter sido dividido e mudado de nome, as pessoas continuavam falando da bebida feita na "velha Bourbon".

Essa é a história que os donos de destilarias do Kentucky gostam de repetir, orgulhosos de suas raízes. "A única bebida nativa dos EUA", gaba-se Bill Samuels Jr., principal executivo da Maker's Mark, uma destilaria que produz um bourbon premium venerado por um séquito de adeptos fanáticos.

Hoje, a lei americana diz que só pode ser chamado de bourbon o destilado com no mínimo 51% de milho e envelhecido ao menos dois anos em barris de carvalho que passaram por um processo de queima. Isso serve para regular também a qualidade do produto, que tenta se distanciar daquela velha imagem de uísque barato, de fundo de quintal, explica David Pickerell, mestre da destilaria Maker's Mark. Formado em química, Pickerell virá a São Paulo, em breve, para lançar o bourbon da Maker's Mark (ver abaixo).

No Brasil muitos pensam que o Jack Daniels é um bourbon, o que enfurece os habitantes do Kentucky. Na verdade, ele é, por lei de denominação de origem, um Tennessee Whiskey. O que o diferencia, principalmente, é que passa por um processo de filtragem em carvão vegetal, o que lhe dá um sabor característico.

Na busca por novos consumidores, Samuels e os outros donos de grandes destilarias do Kentucky - que produzem cerca de 90% de todo o bourbon do mundo - aproveitaram a onda criada pelos circuitos dos vinhos na Califórnia, onde os turistas vão aos vinhedos conhecer a fabricação, degustar e comprar algumas garrafas, para fazer a "Trilha do Bourbon" (detalhada no site www.kybourbon.com). O turista pode visitar as destilarias mais famosas, acompanhar o processo de fabricação dos barris, assistir vídeos explicativos, degustar e comprar lembranças.

Na Jim Beam, por exemplo, que é a maior das destilarias, os caminhões e as chaminés convivem lado a lado com gramados verdes onde fica a casa dos Beam, hoje um ponto de visitação. Num galpão preparado para os turistas, funcionários bem preparados falam do bourbon que é feito pela família Beam desde que Jacob Beam vendeu seu primeiro barril, em 1795.

Mais 50 km de estrada, passando por cidadezinhas bucólicas, chega-se à destilaria Heaven Hill. Tendo como carro-chefe o bourbon Evan Williams, a Heaven Hill criou recentemente um centro histórico e a bancada de degustação mais sofisticada do circuito.

Comandando a degustação, Ellen, uma senhora muito sorridente, de cabelos prata meio azulados, diz: "Temos orgulho do que fazemos. Adoramos mostrar nossa história e nossa bebidas. E faço isso com amor". Como é comum no circuito, ela é uma funcionária aposentada da destilaria que resolveu continuar a trabalhar no atendimento aos turistas.

O discurso da tradição é repetido em todos os lugares, mas não é só tradição que o bourbon carrega. Só no Kentucky, toda a cadeia de produção e venda representa US$ 3 bilhões. Cerca de US$ 500 milhões vêm da exportação. "As vendas têm crescido em cerca de 8% ao ano. Às vezes nos falta capacidade de produção", diz Kevin Smith, vice-presidente de Operações da Maker's Mark. Ele torce para que a demanda por uísque continue em alta por muito tempo. (Por Rodrigo Uchoa/Valor Econômico)

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