ENTREVISTA/ ROGERIO FASANO
Dono da rede de restaurantes mais chique do país diz que elite deveria se mobilizar, critica bebidas caríssimas e sugere a demolição do Jardim Europa
DONO DA REDE de restaurantes mais freqüentada pela elite, o empresário Rogerio Fasano vê exageros no consumo de luxo. Diz considerar uma "aberração" uma garrafa de vinho custar R$ 2.000, mas oferece em sua principal casa, o Fasano, opções de mais de R$ 39 mil. Também sugere a transformação do Jardim Europa em um parque. "Se você fizer uma contagem, deve ter mil casas no Jardim Europa. Acho que mil moradores poderiam ser prejudicados em prol de 15 milhões."
Aos 45 anos, Fasano diz que ainda não conseguiu realizar o sonho da casa própria. Em compensação, é dono da rede de restaurantes mais chique do país, que, além do Fasano, engloba o Gero (filiais no Rio e em São Paulo) e Parigi, o bar Baretto, duas enotecas, três cafés, um hotel e uma casa de eventos. No final do mês, ele inaugura, no Rio de Janeiro, um novo hotel de luxo. "Tudo o que ganho é reinvestido. Não consigo comprar meu apartamento."
FOLHA - Os preços cobrados em restaurantes finos são chocantes para muitos. O conhaque [Hennessy Richard] vendido a R$ 900 a dose vale tudo isso?
ROGERIO FASANO - Eu nunca tomei. Para quem gosta de conhaque, pode valer... Acho que tem vinho que vale muito dinheiro. Mas tem limite também. Nenhum vinho pode custar mais que R$ 2.000! É um absurdo, uma aberração.
FOLHA - Você censura preços?
FASANO - Não que eu censure. É que acho que não dá para ter mesmo. Outro dia vi em Londres um vinho a 60 mil libras [cerca de R$ 230 mil]. Era um Château d'Yquem 1903. Acho ridículo. A mim, me agride.
FOLHA - Para algumas pessoas, o conhaque de R$ 900 a dose também soa agressivo.
FASANO - Mas eu entendo que soe mesmo. Mas é um conhaque que você tem uma garrafa, que dura dez, 20 anos, ninguém pede.
FOLHA - E o Fasano tem vinhos de mais de R$ 2.000...
FASANO - Eu não compro. Acho que você consegue vinhos muito bons de R$ 400, R$ 500. Aí entra o discurso da relação custo-benefício. Esses ícones, eu tenho que ter, os Rolls-Royce. Têm preços além da qualidade, pelo excesso de fama.
FOLHA - A moda de devolver vinho irrita os donos de restaurante?
FASANO - Está cheio de vinho com problemas. Está cheio de vinho "bouchonné" [com aroma de rolha]. Isso pode acontecer em vinho de US$ 1.000 e com vinho de R$ 40.
FOLHA - Mas há exagero?
FASANO - As pessoas estão entendendo mais de vinho e não posso ser contra isso. Vinte e cinco anos atrás, 90% do público brasileiro comia com uísque na mesa. Comida não combina com uísque! O futebol fica conhecido e todo mundo fala "põe o cara, tira o cara". Por isso todo brasileiro é metido a técnico. O que talvez falta ainda é a expectativa sobre um vinho. Você compra um chileno 2004 madeirado, tem que saber o que está comprando, não é dizer "não achei redondo". Aí é falta de conhecimento, ou de comunicação com o sommelier.
FOLHA - Que hábitos mudaram?
FASANO - São Paulo era muito mais provinciana, então as pessoas mandavam mais no restaurante. Tipo chegar e falar: "Eu quero um filé à parmegiana". É falta de respeito ao profissional que está atrás. O brasileiro tinha aquela coisa do pratão único, que não rola na alta gastronomia. Eu já recusei pedido de costeleta à milanesa com espaguete de frutos do mar junto no mesmo prato. "Ah, então eu vou embora". Fazer o quê? Não pode! É desrespeitar toda uma tradição culinária. Mudou muito.
FOLHA - Seu hotel tem tapetes do Irã, lençóis egípcios. Qual é o limite?
FASANO - Aí é subjetivo. Tudo que é "over" é cafona. Eu quis fazer um novo Fasano quando eu achava que o meu Fasano estava "over". Não agüentava mais aquele predinho neoclássico. O gol do Fasano atual é como ele é mais jovem e você vê isso nitidamente na clientela. Ali eu estava ficando velho.
FOLHA - O estilo neoclássico é muito comum em São Paulo. Isso lhe incomoda?
FASANO - Eu não gosto. Mas em São Paulo nada me incomoda. Porque São Paulo é tão feio que dizer o que é mais feio é difícil. Nada contra o neoclássico. Mas o meu, ali do Fasano, pelo menos tinha proporção! Você vê aquele prédio em frente ao shopping Iguatemi [Plaza Iguatemi], é um prédio que não tem proporção, feito de pré-moldado. Querem dar um aspecto de nobreza, mas qualquer pessoa que entende de arquitetura sabe que pré-moldado é mais barato do que colocar tijolinho na fachada. Vem do jeito que você quiser: mais rococó, menos rococó, e em um mês tá pronto.
FOLHA - Do que mais não gosta em São Paulo?
FASANO - O que tem de fio em São Paulo! Você não consegue olhar para cima. Por outro lado, você tem um padrão de arquitetura raro de se alcançar, com gente do gabarito de Isay Weinfeld, Paulo Mendes da Rocha. O Jardim Europa [onde mora em uma casa alugada], por exemplo, é maravilhoso.
FOLHA - Por quê?
FASANO - Essas ruas tortas... Apesar que eu acho que aquilo tudo tinha que ser demolido e feito um parque. Se você fizer uma contagem, deve ter mil casas no Jardim Europa. Acho que mil moradores poderiam ser prejudicados em prol de 15 milhões. Se você olhar de cima, o Jardim Europa é o dobro, o triplo do Central Park. "Tá" pronto! É só tirar as casas. É uma idéia meio comuna, mas... Uma vez falei isso para o [governador José] Serra. Ele falou: "É só um pouquinho difícil" [risos]. Mas acho mesmo. O que falta em São Paulo? Lazer!
FOLHA - O ex-governador Cláudio Lembo diz que o país tem uma elite perversa, que deveria se mobilizar e abrir a bolsa para ajudar a resolver os problemas do país. Concorda?
FASANO - A elite tinha que se mobilizar em relação ao todo. Você vê coisas aqui que, se fosse em Buenos Aires, a cidade inteira iria ao chão. O grau de violência! O Brasil está permissivo demais, se acostumou a achar que a violência é normal, que a safadeza é normal.
FOLHA - Quais as dificuldades dos empresários para crescer no Brasil?
FASANO - Eu cresci aos trancos e barrancos, às custas de um sacrifício pessoal gigantesco. Olha, nem apartamento eu tenho! Minha conta bancária é correr atrás do mês para pagar o mês. É um país que, se você entrar em banco, você está perdido. Crédito é a pior coisa que te podem oferecer. A relação capital-trabalho não é a que deveria ser, o que é normal, em um país em que o dinheiro parado rende o que rende. Quando fiz esse hotel, bati à porta de quase todos os empresários brasileiros. Falavam: "Por que vou fazer uma coisa que se paga em oito anos, se o meu dinheiro parado rende 30% ao ano?".
FOLHA - Quando você fala de sacrifícios pessoais para vencer na profissão, isso significa o quê?
FASANO - Significa ter 45 anos, dois infartos, dois casamentos, vida pessoal atabalhoada, total dedicação ao trabalho, pouco dinheiro no bolso... Acho que isso resume bem. Mas zero arrependimento! Me sinto muito rico, em todos os sentidos. A pessoa pode ter um caminhão de dinheiro. Se ela continua correndo atrás de grana, ela é pobre. Se você tem dez e quer ter 30, e fica "pê" da vida se você não tem 30, você é pobre.
FOLHA - Gosta de se aventurar pela baixa gastronomia? Já comeu "churrasquinho de gato"?
FASANO - Eu não como gato [risos]. Eu já comi cachorro-quente em jogo de futebol. Não deixo de comer pipoca no cinema. O que eu não gosto é aquele truque dos restaurantes, não só do Brasil: alho. Deveria ter um decreto que proibisse o uso de alho até determinado nível. Tudo com alho fica gostoso na hora e aí, às 3h da manhã, você está com ele ainda, não dorme... É um grande truque. Não sabe cozinhar? Alho na cozinha! Alho e cebola crua transformam tudo. Mas é pesado, indigesto. Drácula não tinha medo do alho à toa. É uma arma.
FOLHA - E a história de que você já foi pego com trufas brancas [raro cogumelo subterrâneo, vendido a até R$ 20 mil o quilo] na alfândega?
FASANO - Isso foi com alcachofra [risos]. [Trufas] eu trazia antes [sem declarar], agora trago tudo direitinho. Isso é coisa de dez anos, 15 anos atrás.
(Por Daniel Bergamasco. Colaborou Janaina Fidalgo. Folha de S.Paulo)
segunda-feira, 23 de julho de 2007
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