Na degustação às cegas há uma alegre euforia entre os participantes
Há pouco mais de um ano publicamos uma matéria nesta coluna com o tema Exercício de Humildade. Nela relatamos uma degustação às cegas e destacamos as importantes lições que tiramos desse tipo de degustação, como respeito ao paladar e principalmente a humildade que devemos ter diante de uma garrafa de vinho.
Pois bem,sábado dia 2 de junho,organizamos uma degustação às cegas com um grupo de oito soteropolitanos loucos por vinho. Eles vieram da capital baiana para um fim de semana prolongado na capital brasileira da enogastronomia, a megalópole São Paulo. Essa degustação foi o gran finale da turnê que começou na quinta feira, último dia de maio.O tema escolhido foi “Vinhos com base na uva Cabernet Sauvignon ao redor do mundo”.
Após muita discussão, decidimos colocar um vinho de Bordeaux mais antigo para servir de guia e daí começar a volta pelos quatro continentes.
Da Europa tínhamos a Itália representada pelo imponente e famosíssimo Ornellaia da Tenuta de mesmo nome da especial safra de 1999.Da Espanha, o representante era o Cabernet Sauvignon Gran Reserva 2002 de Miguel Torres, e da França o ultra-renomado Chateau Margaux 1991. Das Américas tínhamos também três representantes. O Chile vinha com o Almaviva 2001 da joint venture da local Concha y Toro com o Chateau Mouton Rothschild de Bordeaux na França.A Argentina vinha representada pelo Estiba Reservada 2002 da Bodega Catena Zapata, e os Estados Unidos com o Opus One 1999, produzido por outra joint venture, essa entre o mesmo Chateau Mouton Rothschild e o conglomerado local Robert Mondavi Wineries. Da África vinha o premiado Vergelegen 2000, produzido na África do Sul, e por último, representando a Oceania, o australiano Heytesburry 1999, da Vasse Felix.
Todos os nove felizardos começaram a dar seus palpites antes de começar. Talvez isso seja o que de mais interessante temos em uma degustação às cegas, essa excitação de final de campeonato. O favorito na bolsa de apostas era o supertoscano Ornellaia 1999, pois sua fama é muito grande e suas notas concedidas pelas publicações especializadas muito altas.O segundo favorito era o Almaviva 2001, e o terceiro o californiano Opus One 1999. Pelo retrospecto fazia todo sentido esse ranking prévio. Particularmente não acreditava no Ornellaia 1999, por sua juventude e por ter participado de várias degustações às cegas envolvendo supertoscanos, como seus concorrentes diretos Solaia, Sassicaia etc. Esses vinhos Italianos à base de Cabernet Sauvignon são vinhos que precisam de tempo na garrafa para ficarem equilibrados, por isso quase sempre não se dão bem em degustações às cegas.Todos os oito vinhos foram decantados em decanteres idênticos e servidos em taças também idênticas, todos numerados. Em uma seqüência que só a pessoa que serviu sabia, o 10.º felizardo que tinha a “chave do cofre”não participou da degustação às cegas.
Vinhos Cabernet Sauvignon precisam de tempo na garrafa para ficar equilibrados
Foi dada a largada. A degustação iniciou em silêncio total. Aos poucos os participantes foram relaxando e os comentários começaram. O primeiro por sinal foi unânime, todos descobriram logo qual vinho era o Margaux 1991. Foi fácil identificar não só pela tipicidade de um grande vinho de Bordeaux mas também pela idade mais avançada. Estávamos mesmo à frente de um vinho hors-concours.Vale ressaltar que a safra de 1991 não foi das melhores em Bordeaux,mas mostra que mesmo em safras difíceis um Chateau Margaux é sempre um vinho muito especial. Dos nove participantes somente um votou nesse vinho como o melhor. Especificamente para mim esse vinho, apesar de muito bom, não passou dos 87 pontos.
As próximas conclusões começaram a aparecer. Para mim os vinhos das taças 2 e 7 eram os que estavam em um patamar superior, e os pontuei com 95 e 94 pontos respectivamente. Os demais variaram entre 91 e 85 pontos.
No final da degustação preparamos o ranking com as notas de todos os participantes e começamos de trás para a frente, ou seja, dos que menos impressionaram para os que se destacaram.As grandes decepções foram o catalão Mas de la Plana 2002,que estava maduro e muito agradável mas não à altura dos demais vinhos da mesa, e o Vergelegen 2000,que estava desequilibrado e não agradou. Talvez esteja em plena dormência e com mais alguns anos de garrafa se mostre mais equilibrado. Esse vinho em questão foi eleito pelo renomado crítico de vinhos da África do Sul John Platter em 2003 como um dos únicos vinte vinhos a receber o laurel de “Superlative, a Cape Classic Wine”e o vinho número 1 do país naquele mesmo ano.
O Opus One 1999 praticamente não mostrou a que veio. Um vinho sem expressão, vida e potência.Mas o mais impactante para todos foi a má performance do Ornellaia 1999. Esperávamos um vinho rico, cheio, potente e — principalmente — gostoso. Para nossa tristeza isso não aconteceu, o vinho mostrou-se desequilibrado. Seus impressionantes 16,5º de álcool não estavam em harmonia com a madeira, e seus taninos estavam além de verdes, um pouco ásperos. Forço-me a acreditar que esse vinho daqui a dez anos possa estar equilibrado e agradável.Talvez o tempo seja o remédio para torná-lo um grande vinho.
Daqui para a frente as grandes e impressionantes surpresas. Do oeste da Austrália vinha um vinho muito potente,agradável, encorpado e guloso. O Heytesburry 1999 (o número 7 citado acima) foi o terceiro no ranking geral e levou a medalha de bronze.Uma potência de vinho.
A prata foi para o excelente Catena Zapata Estiba Reservada 2002. Essa safra na Argentina foi espetacular e aclamada pelos críticos como a melhor safra dos últimos dez anos.
Apresentou muita concentração de frutas, cor intensa e taninos maduros. Na boca é complexo, pois alia fruta, madeira e acidez na medida, com toques minerais, finalizando com muita elegância.Muito bom hoje, mas vai continuar evoluindo por mais quinze anos na garrafa. A propósito e como informação complementar, degustei o Estiba Reservada 1991 no final do ano passado. Estava espetacular e ainda com vida pela frente, e isso prova que esse vinho é um dos ícones de nosso continente.
O grande campeão e que levou com certa folga o ouro foi o chileno de alma francesa Almaviva 2001 (taça 2). Mozart ficaria orgulhoso em saber que seu personagem das Bodas de Figaro, o Conde de Almaviva, foi a inspiração para o nome de um dos vinhos mais importantes de nosso continente. O conceito desse vinho é o de premier gran cru. Aromas marcantes de frutas (destaque para cassis e amoras negras) com toques de baunilha. Na boca é muito presente e aveludado, com um final delicioso. A sensação mesmo é de estar degustando um vinho chileno com bastante sotaque francês. É para amantes de vinhos de estilo bordolês com muito corpo e estrutura. Delicioso hoje e com mais dez anos de evolução na garrafa. Ah!, o blend do campeão é 70% de Cabernet Sauvignon, 27% de Carmenère e 3% de Cabernet Franc.
As conclusões são muitas, mas as principais são mesmo que um rótulo assusta, e que quando ele não está na sua frente você fica mais tranqüilo,sem pressão; e o mais importante: você respeita seu paladar acima de tudo. Leia muito,ouça opiniões, discuta e interaja com outros apaixonados por vinho,mas não faça de seu paladar um escravo de críticos que estão mais para ditadores de gosto do que qualquer outra coisa.
O resultado dessa degustação — muito simbólica, aliás — mostra de maneira efetiva que os vinhos do Novo Mundo são mesmo mais carnudos, intensos e encorpados que os do Velho Mundo e que servem de sinal para que os produtores europeus fiquem atentos à concorrência à altura.
As Bodas de Fígaro, de Mozart, inspirou o Almaviva chileno
O Opus One e o Ornellaia são vinhos que custam aqui no Brasil mais de R$ 1.000 a garrafa.O Almaviva 2001 custa por aqui entre R$ 400 e 500. O Estiba Reservada 2002 custa menos que 200 reais, valor muito parecido com o do Heytesburry, raríssimo aqui no Brasil. Tudo isso é para dizer que tanto preço quanto pontuações de críticos especializados só servem como parâmetros,mas o que decide mesmo é seu paladar.Pratiquem esse exercício de humildade com os amigos.Não há coisa melhor para seu aprendizado e autoconhecimento para apreciar um bom vinho... E viva o nosso continente,pois a América do Sul a cada dia que passa entra para o cenário mundial quando o foco são grandes vinhos. (Por Luiz Gastão Bolonhez/Forbes Brasil)
quinta-feira, 5 de julho de 2007
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