Um artefato chamado Clef du Vin promete envelhecer um vinho dez anos em dez segundos. Paladar testou com três vinhos. Houve alterações olfativas e de tanino e acidez - pouco, perto das mais de cem modificações que ocorrem no envelhecimento
Luiz Horta
Sempre estamos tentando enganar o tempo. Nos nossos corpos queremos atrasá-lo, com cremes, tinturas, cirurgias e botox. Nas nossas garrafas, como vinho precisa de paciência, queremos adiantá-lo. Quantas vezes não provamos um vinho e dizemos, 'puxa, queria ver este vinho daqui dez anos...'. Então, aparece uma engenhoca chamada Clef du Vin, que promete justamente isso: quer ver como o vinho estará daqui dez anos? Basta mergulhar a chapinha de metal nele e deixar dez segundos. Será mesmo?
Os donos do produto não revelam como ele funciona nem dizem qual é a liga da pontinha metálica da peça. Pela cor, parece ter bastante cobre. Supomos - é só suposição - que algo atue nas moléculas de oxigênio do vinho. Uma reação química - sempre suposição - talvez retire algo de enxofre das moléculas e aumente a atuação do oxigênio, acelerando a oxidação.
Fomos testar o aparato, com auxílio da Confraria dos Sommeliers. Antes, considerações teóricas. Nem todo vinho é para envelhecimento, alguns são para consumo rápido e não ganham nada ficando décadas na garrafa, ao contrário. Outro aspecto: o processo de amadurecimento de um vinho é muito mais complexo que a mera oxidação, como veremos no final. Dito isso, passemos ao laboratório.
Com Cezar França, gerente da Decanter e sommelier, escolhemos três vinhos para o teste. Dois que são mesmo para a longevidade, um potente tannat do Madiran, do grande produtor Alain Brumont, e um riesling alsaciano. Assim tínhamos o universo de branco e tinto de guarda, vinhos que ganham complexidade com o tempo. E para o painel ficar mais completo, um vinho para consumo imediato.
O eterno jovem: Signos, Cabernet Sauvignon das Bodegas Callia de San Juan, Argentina. Tinto gostoso sem madeira, 2006, com muita fruta e 13,5% de álcool, típico vinho para beber descompromissadamente. Se deixado guardado por anos perderia esse viço e frescor sem ganhar nada em troca.
Com a Clef (chave): entre um e quatro segundos/anos, nada de notável aconteceu. Com cinco, ficou mais redondo, os taninos macios e a acidez caiu. Com sete, ficou sem graça, perdeu o charme. Com nove, o nariz ficou atraente, apareceram notas interessantes de especiarias. Com doze, os taninos ficaram insuportáveis, a acidez desapareceu, o vinho estava perdido.
O branco elegante: Riesling Paul Blanck 2004, Alsácia, 12,5% de álcool. Como no anterior, as alterações começam a ser notadas com cinco segundos/anos. Nesse momento o álcool se destacou bem e na boca a mineralidade ficou intensa. Com sete, apareceu um amargor pouco agradável. Aos dez, era clara a evolução, parecia um riesling mais maduro no nariz, mas sem ganhar o corpo e a densidade que se espera. Com quinze, ficou muito austero e flácido na boca.
O supertinto: Château Montus, Alain Brumont, Madiran, França, 2002, 14,5% de álcool. Um vinho potente que com cinco anos ainda brilha de frescor. Seria a prova definitiva. Tem o perfil a que se destina o invento. Um grande vinho feito para ser guardado por duas décadas.
Com um segundo, diminuíram acidez e taninos. Com cinco segundos, apareceu um traço metálico no nariz e a boca mostrou um gosto de oxidação muito claro. Nenhuma alteração na cor. Com mais tempo, foi só aumentando o desequilíbrio, os taninos ficaram deselegantes e a acidez sumiu. Radicalizamos de vez e deixamos vinte segundos/anos, quando apareceu uma deterioração clara, cheiro de repolho, amargor. E com meio minuto a acidez voltou e os taninos continuaram em desequilíbrio.
O que tudo isso prova? Que estes vinhos não são para guardar? Evidente que não. Como se viu, a coisa funcionou num certo ponto, causou alterações importantes nos aspectos olfativos do vinho e mudou taninos e acidez, mas somente no campo da oxidação. Isso é pouco em meio a todo o processo que acontece com o líquido na garrafa, ainda desconhecido em boa parte. O Oxford Companion to Wine diz já terem sido listadas mais de cem modificações no vinho maduro, que contribuem para sua complexidade. Com o Clef mexemos em duas. Se custasse barato seria divertido como jogo de salão. Mas pelo preço (R$ 895 na DKZA, 3073-1321), talvez seja melhor comprar vinhos em diferentes estados de maturação e aprender com o tempo. No vinho não basta alterar a acidez e os taninos, oxidando-os com uma chapinha metálica. O tempo, mais uma vez, sai vitorioso. (OESP)
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
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