Balcões e mesas de botecos na cidade abrigam clientes de divãs improvisados para aqueles que querem desabafar. Histórias mais comuns ouvidas pelos barmen são as de amor, relatadas pelos que exageram na bebida para esquecer uma traição
MÁRCIO PINHO
DA REPORTAGEM LOCAL/FOLHA DE S.PAULO
Garçons e barmen que trabalham na noite exercem involuntariamente uma segunda profissão -a de "psicólogos". Os balcões e as mesas de bar se tornam divãs improvisados nos quais desabafam diferentes tipos de cliente -do encrenqueiro ao dorminhoco.
São as histórias de amor as mais comuns -principalmente as relatadas pelo tipo dor de corno, que exagera na bebida para esquecer que foi deixado ou traído pela mulher.
"Tive um cliente que havia sido traído. Ele bebeu oito caipirinhas, pulou para dentro do bar e começou a gritar o nome da mulher. Estava desesperado. Tentei acalmá-lo, dar uma palavra amiga", conta Antonio Vitorino Filho, há 25 anos no Bar Brahma como barman, garçom e agora maître.
Aos 50 anos, Vitorino disse já ter visto e ouvido de tudo. E é a experiência que o ajuda a dividir os clientes em tipos e a saber lidar com eles. Para o "mala", aquele que fala pelos cotovelos, inventa que tem muito dinheiro e ainda pede desconto, a solução é alertar os outros garçons para não serem fisgados -e manterem distância.
Por outro lado, Vitorino diz gostar de dar muita atenção e ouvir o cliente divertido, que costuma ser mais legal bêbado do que sóbrio. "Ele não se lamenta, quer atenção para histórias de sua infância." Depois da sessão informal, o "paciente" acaba beijando os funcionários do lugar -é o tipo "beijão".
Encrenca
O barman Juan José Perea, da casa Bourbon Street Music Club, em Moema, que faz 50 drinques por dia, também conta casos de clientes que relatam traições ou anseios em relação às mulheres e que, não raro, arrumam encrenca.
Um cliente seu resolveu atirar-se sobre a garçonete e precisou ser contido. Outro pediu a Perea que entregasse um bilhetinho a uma mulher sentada no balcão. Tratava-se, contudo, da namorada do barman.
Mas o tipo mais comum no "divã" de Perea é o falastrão. É o bêbado cuja "conversa não faz curva", explica. Um grupo com esse perfil prometeu-lhe diversas vezes uma churrascada, só realizada depois que ele resolveu cobrar. "Dando atenção para eles, virei amigo de verdade. A festa se repete todo ano", diz.
O popular
Garçons mais simpáticos, tidos como mais "acessíveis", acabam dando mais abertura para que os clientes desabafem.
É o caso de Ailton Manuel da Silva, 40, do Filial, na Vila Madalena, que é um personagem por si só. Do tipo que todos cumprimentam ao entrar no bar: "E aí, Ailtinho..."
Ele diz que já foi abordado por um cliente que temia que sua mulher, que mudaria para outro país, o deixasse -aconselhou, mostrou que não havia motivo para tristeza e recomendou mais otimismo.
Em outro ocasião, um homem chorava de saudades da mãe, que havia morrido. Silva, que também já perdeu a mãe, disse a ele que entedia perfeitamente como era sentir-se daquele jeito. "Você divide um pouco o peso que a pessoa traz."
Silva lamenta, contudo, que alguns clientes reclamem de tudo e parecem pensar que apenas eles têm problemas.
Ele, assim como Perea e Vitorino, afirmam que dão atenção aos "pacientes" porque se apegam a eles, e não para manter o cliente na casa. Quando o "paciente" exagera na bebida, por exemplo, aconselham: "Melhor parar por aqui".
OUVIDO AMIGO: BARMAN NÃO SUBSTITUI PSICÓLOGO, MAS PODE AJUDAR
Desabafar com o barman não equivale a um tratamento psicológico, mas pode ajudar a preencher uma necessidade, diz a professora do Instituto de Psicologia da USP Leila Salomão Tardivo. Ela afirma que há pessoas que sentem necessidade se de abrir e encontram no barman uma fonte de empatia e carinho. "Isso acontece com o cabeleireiro também. São pessoas que podem emprestar um ouvido atento, aliviar e dar apoio ao cliente." Falar com desconhecidos também pode ajudar nesse sentido.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
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