Lucy Kellaway
Na semana passada, fiz o que sempre faço quando me sinto esgotada. Pego a caixa da série de TV "Mad Men" e mergulho no mundo hedonista e glamuroso da Madison Avenue nos anos de 1960- quando todas as mulheres usavam sutiã tamanho 38, todos os homens bebiam uísque da hora do almoço até a hora de ir dormir, todo mundo fumava um cigarro atrás do outro e fazia sexo sempre que surgia uma oportunidade.
A série é deliciosa por causa de seu contraste com a monotonia e conservadorismo da vida moderna no local de trabalho. Nos últimos dez dias, duas coisas aconteceram que me fizeram pensar nos laços que agora estão muito apertados; tão apertados, na verdade, que estão impedindo a circulação de oxigênio no cérebro das pessoas.
A primeira foi o escândalo sexual que resultou na renúncia de Mark Hurd do cargo de executivo-chefe da Hewlett-Packard (HP). Como acontece com os escândalos sexuais, esse não teve nada de sexy. Na verdade, segundo notícias publicadas pelos jornais, nem houve sexo nele. Não houve assédio, nem promiscuidade, e mesmo assim o "relacionamento pessoal próximo" entre Hurd e uma consultora burlou as regras da companhia e desse modo foi preciso agir.
"Tolerância zero", dizia uma manchete publicada pelo "Financial Times" há uma semana. Mas tolerância zero com o quê? Li reportagens e press releases e a única coisa incriminatória que encontrei foi que Hurd e a mulher jantaram algumas vezes e a conta foi paga pela empresa. Isso foi considerado grave o suficiente para Hurd partir para a autopenitência afirmando: "Não correspondi aos padrões e princípios de confiança, respeito e integridade que recebi da HP".
Mas que padrões eram esses? E como ele não correspondeu com eles? A comissão de recursos humanos foi parabenizada por ter agido decisivamente na saída do anteriormente heróico executivo-chefe. Pode ter sido decisivo, mas foi uma decisão capenga. Ele decidiu que seria melhor perder um bom executivo-chefe do que admitir que ele era um ser humano com algumas falhas. O preço foi alto: da noite para o dia os acionistas perderam US$ 10 bilhões no valor de suas ações, enquanto Hurd deixou a companhia com um acerto de contas bem gordo.
O detalhe mais surpreendente nisso tudo é que as refeições parecem ter custado US$ 20.000. A única explicação que me vem à cabeça para uma conta tão alta é que talvez Hurd e a mulher tenham se consolado por serem incapazes de cometer adultério, cometendo no lugar o pecado da gula.
Enquanto nos escândalos sexuais modernos, ao estilo HP, existe muito escândalo e pouco sexo, em "Mad Men" as coisas são o contrário: muito sexo, pouco escândalo. Isso parece ser mais saudável, especialmente no que diz respeito aos acionistas.
Na agência fictícia Sterling Cooper, de "Mad Men", a fornicação é deslavada, as pessoas se machucam e bebês são concebidos fora do casamento. Há um custo humano, mas a agência em si escapa incólume e os negócios de criação e venda de anúncios prosseguem sem ser afetados. Há uma simplicidade e inocência deliciosos em tudo isso. Os funcionários trabalham, comportam-se mal e então trabalham mais um pouco. Eles também fazem algo a mais na Sterling Cooper que, 40 anos depois, ninguém mais faz nos Estados Unidos: bebem.
A segunda coisa que aconteceu na semana passada mostra como o fanatismo contra a bebida se tornou extremo. Na Academia de Administração de Montreal, um estudo foi apresentado provando que simplesmente segurar uma taça de vinho pode prejudicar sua carreira. Na mais lúgubre experiência já realizada, 610 administradores de empresas foram solicitados a observar candidatos que estavam sendo entrevistados em um jantar. O entrevistador pedia vinho; alguns candidatos faziam o mesmo, enquanto outros escolhiam refrigerantes. Muito embora vários candidatos nem sequer tenham tocado na taça, aqueles que estavam com vinho diante de si foram considerados menos inteligentes do que aqueles que estavam diante de um copo de Fanta.
Assistir Don Draper, em "Mad Men", beber coisas muito mais fortes que vinho não me leva a duvidar de sua inteligência; me faz sentir saudades daqueles dias de bebedeiras. Essa nostalgia só é um pouco abalada pelas lembranças que tenho de como a vida era na década de 1980 na Fleet Street, quando os jornalistas corriam para os pubs todos os dias na hora do almoço. A menos que minha memória esteja me pregando uma peça, os homens na época não se pareciam com Don Draper. Eles tinham barrigas enormes e às vezes ficavam com a voz pastosa no período da tarde.
No mundo de "Mad Men", o julgamento era deturpado pela luxúria e pelo álcool. Mas no mundo moderno e puritano dos negócios, o julgamento é deturpado por algo mais pernicioso: o medo da luxúria e o medo do álcool. Os dois mundos são ruins, mas o primeiro tem vantagem sobre o segundo: pelo menos de vez em quando ele era divertido.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
(Publicado no Valor Econômico- 23/08/2010)
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
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