RIO DE JANEIRO - O garçom é o melhor amigo do homem. Uma frase como essa pega até mal hoje em dia, tempo que se julga saudável. Mas, como diziam os antigos boêmios, não se faz amigo em leiteria.
Os bons garçons são testemunhas dessas amizades, confidentes, conselheiros, psicólogos, têm uma paciência monástica. São amigos.
Manoel Beserra Mota era assim. Morreu no domingo passado, aos 49 anos, de ataque cardíaco. Excesso de coração, provavelmente.
Reverenciá-lo aqui não se trata de uma questão pessoal. Para tentar entender a dor e a delícia de viver no Rio de Janeiro, é preciso conhecer a Lapa, o cruzamento de classes, gerações e sentimentos em suas esquinas.
Para conhecer a Lapa, é fundamental conhecer o Nova Capela, salão da boemia tradicional, desdobramento do antigo Capela, criado em 1923 em outro endereço e que recebia Madame Satã e demais figuras míticas do bairro.
E, para conhecer bem o Nova Capela, sempre foi necessário sentar-se nas mesas muito bem servidas por Manoel e por Cícero Rodrigues Araújo. O primeiro tinha 24 anos de casa. O segundo tem 20.
Na noite de quinta-feira, órfãos de Manoel foram dividir suas mágoas com Cícero, que continha as lágrimas ao se lembrar do amigo. Nem todos os ouvintes conseguiram fazer o mesmo.
Como no samba feito de filho para pai, naquela mesa estava faltando ele e a saudade dele doía. Mas a cerimônia do adeus não foi soturna. Seria ofensivo à alegria de Manoel.
Foi melhor lembrar de sua memória rigorosa (sabia as preferências de cada cliente) e da indiscrição divertida (dava aos presentes notícias sobre os amigos ausentes). Como disse um dos órfãos, era um garçom que recebia as pessoas com abraços. Gente assim faz falta. À Lapa, ao Rio, à humanidade.
(Por Luiz Fernando Vianna/Folha de S.Paulo 25/07/2010)
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário